terça-feira, abril 17, 2007

A boca vermelha

A velhinha viaja no 11. O meu encontro com ela é na Avenida da Liberdade e, nos poucos minutos que demoro a chegar à Praça do Comércio, é a boca que me chama a atenção. Uma boca pequenina, como uma gueisha que se esqueceu que já não o é. Uma boca de boneca de porcelana pintada à mão, perfeitamente desenhada e de um vermelho vivo de celebração. Tem a cara de rugas pálidas - o que torna o vermelho ainda mais arrebatador - enfeitada por dois brincos azul turquesa. Combinam com o tom dos olhos de céu. Segura a mala com um braço por cima do outro, delicados, com a serenidade de senhora fina que vai passear à Baixa num dia de Primavera.

conversa matrimonial

Corro para o 14, é mais rápido que o eléctrico. Não há lugar vagos, raramente há a esta hora. Seguro-me ao varão junto à porta e o rapaz está a falar alto. Sozinho.

"Casar? Era o que faltava! Para ela me dar pontapés? Para que é que eu quero uma mulher? Tá bem tá! Casar, pois sim. De pontapés já anda um gajo farto. Eu? Casar?..."

Tenho vontade de rir e por isso olho para o chão. Mais ninguém parece achar piada...

quinta-feira, abril 12, 2007

A mão entalada

Estou à espera do 15, como habitualmente. O eléctrico chega, é um dos grandes, parece que vai cheio. Faço o gesto já mecânico de carregar no botão para abrir a porta. A porta não abre. Quando levanto o olhar descubro, horrorizada, uma mão. Um homem, do lado de dentro, tem a mão entalada na porta. Ainda que esteja acomodada entre duas borrachas, penso que aquilo deve estar a doer à brava. Dirijo-me, em sobressalto, para a porta ao lado. Entro e espero encontrar um ambiente de emergência, pessoas aflitas, alguém que ajude o homem a retirar a mão. Não encontro nada disso. Para meu espanto, os passageiro viajam tranquilos. Olho para o homem e vejo que viaja serenamente, em pé, junto à porta, com um cigarro por acender pendurado na boca. Parece estar estranhamente confortável, como se fosse um acto diário ir até ao Cais do Sodré com a mão entalada na porta.

terça-feira, abril 03, 2007

Rockabilly e Jessica Rabbit

Esperam os dois junto à linha amarela. Ele de blusão Top Gun, sapatos bicolores, cabelo em popa puxado para trás. Ela de saia de ganga apertada, cabelo esborratado, de forma estranha apanhado, pintado de mercurocromo. Tiro os auscultadores, para confirmar que não são estrangeiros e reparo num brilho esquisito, no meio dos incisivos do rapaz, um Piercing nos dentes, que deve brilhar como nos sorrisos dos filmes. Será que combinaram o estilo, ou tiveram apenas sorte?